Blog di FORMAZIONE PERMANENTE MISSIONARIA – Uno sguardo missionario sulla Vita, il Mondo e la Chiesa MISSIONARY ONGOING FORMATION – A missionary look on the life of the world and the church
CARLOS REIS, jornalista
Além-Mar, Setembro 2020
A importância dos cursos de águas internacionais remonta às grandes civilizações que floresceram em vales formados por rios. Já no século xix, os Estados-nação surgem também associados a cursos de água internacionais, o que demonstra a importância que os rios têm para o desenvolvimento e integridade territorial. As águas fluviais são um recurso finito, vulnerável e essencial para os ecossistemas e para os processos de produção, pelo que também são fonte de tensões entre populações e países.
Conflitos regionais podem originar-se na disputa de águas transfronteiriças, devido à escassez, partilha e acesso aos rios e bacias, bem como ao uso, contaminação e desenvolvimento de infra-estruturas nos cursos de água internacionais. «Sem uma gestão eficaz dos recursos hídricos, o mundo corre o risco de intensificar as disputas entre comunidades e regiões e aumentar as tensões entre países», nota o secretário-geral das Nações Unidas. «A água, a paz e a segurança estão inextricavelmente ligadas», observa António Guterres.
Os recursos hídricos compartilhados por Estados devem ser geridos de acordo com princípios internacionalmente aceites de utilização equitativa e sustentável e o «dever de informação e de consulta, assim como o dever de cooperar e utilizar meios pacíficos para resolver conflitos», como defende Damian Indij, gestor da Rede Latino-Americana de Desenvolvimento de Capacitação para a Gestão Integrada da Água (LA-WETnet).
Juntamente com a questão da hidropolítica, outros impactos na gestão dos cursos de águas internacionais estão relacionados com o conceito de soberania, navegabilidade, abastecimento de água, produção hidroeléctrica, prevenção de inundações, aplicações industriais, poluição e pesca.
Em todo o mundo, existem mais de 270 bacias hidrográficas compartilhadas, onde vivem 40% da população mundial e se concentra 60% do fluxo de água doce para abastecimento humano. Por isso, é essencial que a questão das águas fluviais internacionais seja tratada pelo Direito Internacional que contempla «os rios-fronteira, ou contíguos, que são limítrofes entre territórios, e os rios sucessivos que correm num Estado e, em seguida, noutro», explica Tomás Barros, autor do estudo Gestão de Bacias Hidrográficas Transfronteiriças (Revista Direito Ambiental e Sociedade, 2018).
Nestas áreas, não está contida apenas a delimitação física dos rios, mas toda a área de captação natural da água precipitada, cujo escoamento converge para a bacia hidrográfica. O curso de água é um sistema de águas superficiais e subterrâneas que formam o rio. Já a bacia hidrográfica compreende a superfície terrestre que envolve a parte aquática.
Para Gabriela Grau, directora da Parceria Mundial pela Água (GWP), «num contexto de interdependência, os custos e benefícios devem ser distribuídos entre os Estados, o que abre caminho para novas fontes de poder e vantagem que expõem as nações a situações de vulnerabilidade». Só no século xx, foram assinados 145 tratados bilaterais e multilaterais no mundo relacionados com os recursos hídricos transfronteiriços.
A água compartilhada e o seu potencial para geração de crises internacionais fizeram com que a organização do Fórum Mundial da Água – Brasília 2018, oitavo evento global sobre o tema da água, escolhesse o assunto como tema principal. O fórum promovido pelo Conselho Mundial da Água regressa em 2021, no Senegal, desta vez sob o tema da segurança hídrica para a paz e o desenvolvimento.
Já em Maio, Lisboa recebe a segunda Cimeira Europeia dos Rios, onde activistas e especialistas vão discutir temas como «o impacto das alterações climáticas na água doce, os subsídios públicos perversos à produção de energia, as medidas de protecção e restauração de rios, a remoção de barragens e a justiça ambiental», avança o GEOTA, associação de defesa do ambiente co-organizadora da cimeira.
Até 2050, pelo menos uma em cada quatro pessoas viverá num país onde a falta de água doce será crónica ou periódica. Grandes bacias hidrográficas, como as dos rios Nilo, em África, e Indo, Ganges, Eufrates e Mekong, na Ásia, fornecem um meio de vida económico, comercial e cultural de subsistência para as comunidades ribeirinhas.
Na América do Sul, uma das regiões com maior disponibilidade de água, os rios Amazonas, Orenoco, São Francisco, Paraná, Paraguai e Madalena transportam mais de 30% da água superficial continental do globo. As duas maiores bacias hidrográficas mundiais, a Amazónica e a do Rio da Prata, estão na região. Aqui, a ameaça vem do «declínio da qualidade das águas superficiais e subterrâneas por contaminações da actividade mineira e agrícola e da descarga de águas residuais urbanas e industriais não tratadas», avalia o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP).
Cerca de 60% dos 227 maiores rios do mundo tiveram os seus fluxos interrompidos por barragens e outras infra-estruturas, «que reduzem drasticamente o transporte de sedimentos e nutrientes aos trechos a jusante, diminuindo a qualidade da água e prejudicando a saúde dos ecossistemas», denuncia por sua vez o Programa Mundial de Avaliação da Água (WWAP).
Entre os ecossistemas mais criticamente ameaçados do mundo, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), figuram os pântanos e zona húmida do estuário dos rios Murray e Darling, que formam uma bacia crucial para o abastecimento de água da área mais populosa da Austrália, e onde «a drenagem de pântanos e a exploração de água levou à remoção de vegetação natural e seca temporária de extensões dos rios, o que provocou o aumento do grau de salinidade».
Igualmente referenciadas pela IUCN estão as florestas de acácias na bacia do rio Senegal, onde «a utilização intensiva da água, através de represas, a agricultura intensiva e o sobrepastoreio estão a destruir anos de convivência entre a biodiversidade e as comunidades indígenas do Senegal, Mali e Mauritânia».
A este propósito, o escritor inglês W. H. Auden, Pulitzer de Poesia 1948, captou que «muitas pessoas viveram sem amor, mas nenhuma sem água». Uma percepção que flui para o valor de que água é vida.
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) identifica cinco “violentos conflitos” pelo controlo de rios e bacias hidrográficas.
Eufrates e Tigre
A bacia dos rios Eufrates e Tigre é compartilhada pela Turquia, Síria, Iraque e Irão. Desde a década de 1960, os planos unilaterais de irrigação que alteram os fluxos dos rios, aliados às tensões políticas, têm dificultado as relações entre os países. As disputas impedem um acordo formal sobre a gestão das águas da bacia hidrográfica.
Nilo
Na bacia do rio Nilo desenvolve-se um conflito sobre o acesso e direitos aos recursos hídricos entre os onze países ribeirinhos. A Iniciativa da Bacia do Nilo (NBI) viu as negociações paralisarem por desentendimentos entre o Egipto, Etiópia e Sudão. Não há acordo sobre a forma como a nova barragem hidroeléctrica etíope Grand Renaissance deve ser explorada.
Helmand e Hari
Os esforços do Afeganistão para aproveitar as águas dos rios Helmand e Hari, para apoiar a reconstrução e o desenvolvimento pós-conflito, alarmaram o Irão. O Governo de Teerão considera as actividades de expansão agrícola e construção de barragens do Afeganistão como ameaças à segurança da água nas suas províncias do Leste e Nordeste.
Mekong
A construção de barragens e centrais hidroeléctricas na bacia do rio Mekong, na China e Laos, está a elevar as tensões com os países a jusante, que temem os impactos negativos das inundações e da falta sazonal de água. A eficácia da Comissão do Rio Mekong (MRC) na resolução destas tensões é limitada devido à falta de poderes e à relutância da China em integrar o grupo.
Kaveri
O conflito de longa data sobre a água do rio Kaveri entre os Estados indianos Karnataka e Tamil Nadu ressurgiu recentemente no contexto de condições climáticas mais secas. As implicações não são apenas batalhas legais, mas também protestos violentos após decisões de alterar a distribuição de água entre os dois Estados do país do Sul da Ásia.
Na mensagem para o IV Dia Mundial de Oração pela Criação – data instituída pelo Papa Francisco em 2015, após a publicação da encíclica Laudato Si’ (LS) e que se celebra no dia 1 de Setembro –, o pontífice reflectiu sobre a questão da água. Lembra que «o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável» (LS 30).
Francisco sublinha o papel fundamental da água na criação e no desenvolvimento humano e dá graças a Deus pela «irmã água», «simples e útil sem nada de parecido para a vida no planeta». «Precisamente por esse motivo, cuidar de fontes e bacias hídricas é um imperativo urgente. Hoje, mais do que nunca, é necessário um olhar que ultrapasse o imediato (cf. LS, 36), além de “critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual” (LS, 159). Precisa-se urgentemente de projectos conjuntos e de acções concretas, tendo em conta que é inaceitável qualquer privatização do bem natural da água que seja contrária ao direito humano de poder ter acesso a ela», refere o papa.
O Papa Francisco afirma ainda que «proteger esse bem inestimável todos os dias representa hoje uma responsabilidade imperiosa, um desafio real: é necessária uma cooperação eficaz entre os homens de boa vontade para colaborar na obra contínua do Criador. Infelizmente, muitos esforços desaparecem devido à falta de regulamentação e de controlos efectivos (cf. LS, 174)».